sexta-feira, 23 de março de 2012

O Corpo e Os Seus Membros


O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: “Porque não sou mão, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: “Porque não sou olho, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo. (1 Coríntios 12.14-20)

O plano de Deus é que deveria existir uma dependência mútua entre os crentes; contudo a Bíblia ensina isso primariamente em relação ao ministério público, e não à fé do indivíduo. Diz-se frequentemente, de uma forma ou de outra, que um cristão que está desvinculado de uma comunidade está fadado ao fracasso, mas esse ensino é mais autobiográfico do que bíblico, e é manipulador ao invés de encorajador. Ele é difundido por pessoas fracas ou por líderes que preferem ameaçar pessoas em vez de aprimorar seus próprios ministérios. Ao enfatizarem fé e adoração coletivas, ainda que sua intenção seja supostamente de fortalecer a igreja e seus membros, na verdade seu erro tem sido um fator importante para se perpetuar nos crentes a falta de vigor e compromisso.

O problema é que a sua doutrina equivale a uma negação da plenitude e suficiência de Cristo. Jesus Cristo é suficiente para sustentar e nutrir cada crente em particular totalmente à parte de qualquer outro crente. Há somente um Pai e um mediador entre Deus e o homem, Jesus Cristo. A igreja não é nossa mãe e nosso sacerdote. Antes, cada cristão é um sacerdote divinamente ordenado para a sua posição com plenos direitos de aproximar-se do trono dos céus e receber e administrar tudo o que Deus tem a oferecer por meio de Jesus Cristo. O cristão pode receber tudo de Cristo por meio da fé e pelo contato direto com Deus, sem a assistência da igreja e muito menos a sua permissão. Qualquer doutrina diferente disso é um ataque à suficiência e mediação de Cristo e deve ser considerada heresia.

O foco aqui é o princípio, e não que uma fé isolada é sempre preferível ou que a pessoa deveria deliberadamente buscar esse tipo de fé. E quando a preocupação tem a ver com o princípio, devemos insistir que a doutrina popular que faz da comunidade uma questão de necessidade é uma doutrina que não vem da revelação de Deus, mas da incredulidade e de suposições pessimistas sobre o potencial de um indivíduo perante Cristo. Quando se assume que comunidade é algo necessário para o florescimento ou mesmo para a sobrevivência da fé do indivíduo, encorajar a fé coletiva se torna a mesma coisa que encorajar a fraqueza pessoal. Isso é também um desserviço à comunidade, porque em vez de se reunir por amor, um bando de covardes se reúne agora por necessidade de se deixar arrastar pelos outros.

Jeremias era extremamente solitário, e Paulo teve às vezes de encarar as maiores provações sozinho, mas Jesus Cristo estava com eles e era suficiente para eles. Você diz: “Mas eu não sou Jeremias ou Paulo”. Certo, e enquanto continuar pensando dessa forma você nunca será qualquer coisa parecida com eles. Você não é Jeremias ou Paulo, mas confia no mesmo Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre, e assim não existe nenhuma diferença. Logo, jamais devemos sacrificar a suficiência de Cristo para preservar a importância da comunhão na igreja. E se você não pode passar o dia sem depender de outro homem para sustentá-lo, ao menos não infecte os outros com a sua incredulidade e fraqueza. Assim também, pregadores que negam a suficiência de Cristo para o indivíduo a fim de preservar a importância da comunidade deveriam ser repelidos. A igreja é de fato plano de Deus, mas não para o propósito de sobrevivência espiritual do indivíduo. Jesus Cristo é suficiente ― mais que suficiente ― para cada pessoa à parte da comunidade. Isso é inegociável.

Quando se trata do contexto público, como em uma reunião de igreja ou tarefas cotidianas da comunidade, o plano de Deus é de fato a dependência mútua, e nenhuma pessoa pode representar todo o corpo ou realizar todas as suas funções. Antes, cada pessoa é posta em seu próprio lugar de acordo com a vontade de Deus. Como escreve Paulo, “De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade”. Não se espera que façamos todos as mesmas coisas ou foquemos igualmente as mesmas coisas. Eventualmente um evangelista poderia enfatizar tanto a primazia do evangelismo que leva todas as outras pessoas se sentirem culpadas por não fazerem tanto quanto ele. Mas ele não está alimentando nenhum órfão. Então aquele que não faz nada mais que alimentar órfãos aparece e faz o evangelista parecer um hipócrita de coração frio. Deus nos colocou em nossas próprias posições, e não devemos definir o corpo como um todo por nenhuma função pela qual estamos obcecados: “Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo”.

É aqui que a distinção entre a fé do indivíduo e o ministério público se torna essencial. Como indivíduo, posso realizar em uma pequena escala quase qualquer função no corpo de Cristo, ainda que esse não seja o meu ministério principal. Isto é, posso não ter sido chamado a liderar um projeto nacional para alimentar os famintos, mas eu seria negligente se um pedinte morresse de fome na soleira de minha porta. No entanto, só porque devo alimentar o pedinte na soleira de minha porta, isso não significa que eu deveria liderar um esforço nacional de combate à fome. Em vez disso, talvez Deus tenha me chamado para combater essa confusão ridícula sobre fé pessoal e fé coletiva. Em outras palavras, cada pessoa deveria ser uma crente completa, mas nenhuma pessoa precisa ser uma igreja inteira.

Você pode não pensar em seu dedo mindinho a todo o momento, mas se alguma vez você já o torceu, subitamente percebeu que depende dele o tempo todo. Agora ele dói quando você se levanta, quando se vira, quando caminha. O que acontece se um papel fino corta o seu dedo? Ele dói quando você faz quase qualquer coisa ― dói quando você escreve, quando você dirige, quando você cozinha, quando você lança uma bola ― de modo que “quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele” (v. 26). Da mesma forma, a pessoa que lida com processos burocráticos na igreja, ou talvez faz a contabilidade, recebe pouca atenção; mas imagine o caos se ela for subitamente removida, ou se ela é incompetente ou desonesta.

Para enfatizar uma vez mais o ponto anterior, se você prega na igreja e alguém outro limpa o chão, isso não significa que essa pessoa também limpa o seu chão quando você vai para casa. E se você limpa o seu próprio chão em casa, isso não significa que você deve limpá-lo na igreja, a menos que esse seja o seu emprego. Novamente, Cristo é suficiente para todo crente, para que todo crente pudesse ser completo, mas cada crente não desempenha todas as funções na igreja, de forma que há uma dependência mútua na igreja. Uma teologia da igreja que em qualquer grau compromete a suficiência total de Cristo ou o potencial e a responsabilidade do indivíduo é uma doutrina falsa.

Ora, uma pessoa pode crescer em proficiência, e um dom pode crescer em poder através da oração, do estudo e do uso regular, mas a capacidade parecerá nativa para ela, e não artificial ou forçada. Uma pessoa que não pode desempenhar, digamos, deveres administrativos pode muito bem receber a capacidade após a conversão, mas isso se tornará natural para ela dali em diante. Um olho é um olho porque Deus o fez um olho. Assim também, para um olho ser um olho, basta apenas ele ser ele mesmo. Ele não tem de ser algo que ele não é nem deveria ser invejoso ou fingir ser outro membro no corpo. É assim que ele funcionará de acordo com o seu verdadeiro propósito e potencial.

Fonte: www.monergismo.com
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto (janeiro/2011).

Josias Sillva
Javé Nissi.





sexta-feira, 16 de março de 2012

Origem da Confissão e Catecismos de Westminster

Mais artigos de A. A. Hodge


A maioria das confissões das igrejas reformadas e luteranas foi composta por autores individuais, ou por um pequeno grupo de teólogos a quem coube a tarefa de delinear um padrão de doutrina. E assim, Lutero e Melancthon foram os principais autores da Confissão Augsburg, o padrão de fé e laço comum de união das igrejas luteranas. A Segunda Confissão Helvética foi composta por Bullinger, a quem a obra foi confiada por um grupo de teólogos suíços; e o celebrado Catecismo Heidelberg foi composto por Ursino e Oleviano, os quais foram designados para isso por Frederico III, Príncipe Coroado do Palatinado. A Antiga Confissão Escocesa, que foi o padrão da Igreja Presbiteriana da Escócia por quase um século antes da adoção da Confissão Westminster, foi composta por um comitê de seis teólogos, sob cuja liderança estava John Knox, designado pelo Parlamento Escocês. Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra e da Igreja Episcopal da América foram preparados pelos bispos daquela Igreja em 1562, como resultado da revisão de “Os Quarenta e Dois Artigos de Eduardo VI”, os quais foram delineados pelo Arcebispo Crammer e o Bispo Ridley, em 1551.
Os Cânones do Sínodo de Dort, de grande autoridade entre todas as igrejas reformadas, e o Padrão da Igreja da Holanda, foram, de um lado, delineados por um grande Sínodo internacional reunido em Dort pelos Estados Gerais dos Países Baixos, e composto de representantes de todas as igrejas reformadas, com exceção da França. E a Confissão de Fé e os Catecismos de nossa Igreja foram compostos por uma grande e ilustre assembleia nacional de teólogos e civis reunidos em Westminster, Inglaterra, pelo Grande Parlamento, de 1 de julho de 1643 a 22 de fevereiro de 1648. Um relato bastante breve da mesma é o propósito deste capítulo.
A Reforma na Escócia havia recebido seu primeiro impulso desde a volta do ilustre Patrick Hamilton, em 1527, do Continente, onde desfrutara das instruções de Lutero e Melancthon. Ela não foi em qualquer grau uma revolução política, nem se originou das classes governantes. Foi puramente uma revolução religiosa, operada entre as massas populares e a corporação da própria Igreja, sob a direção, em diferentes tempos, de diversos líderes eminentíssimos, dos quais os principais foram John Knox e Andrew Melville. “A Igreja da Escócia arquitetou sua Confissão de Fé e seu Primeiro Livro de Disciplina, e em sua primeira Assembleia Geral elaborou seu próprio governo, sete anos antes de receber a sanção da Legislatura. Sua primeira Assembleia Geral foi reunida em 1560, quando o primeiro Ato do Parlamento, reconhecendo-a como Igreja Nacional, se deu em 1567.” Ela continuou a manter num grau equilibrado sua independência da ordem civil e sua integridade como uma Igreja Presbiteriana até depois que o Rei Tiago assumiu o trono da Inglaterra. Após isso, através da influência inglesa e o crescente poder do trono, a independência da Igreja da Escócia foi amiúde temporariamente destruída. Em resistência a essa invasão de suas liberdades religiosas, os amigos da liberdade e da religião reformada entre a nobreza, o clero e o povo escocês subscreveram o sempre memorável Pacto Nacional, em Edinburgh, em 28 de fevereiro de 1638, bem como a Liga e Pacto Solenes entre os reinos da Inglaterra e Escócia, em 1643. “Esta Liga e Pacto Solenes (subscrita pela Assembleia Geral escocesa, o Parlamento inglês e a Assembleia de Westminster) obrigou os reinos unidos a promoverem a preservação da religião reformada na Igreja da Escócia, em doutrina, culto, disciplina e governo, bem como a reforma da religião nos reinos da Inglaterra e Irlanda, segundo a Palavra de Deus e o exemplo das melhores igrejas reformadas.” Foi em apoio do mesmo desígnio de assegurar em ambos os reinos a liberdade religiosa, uma reforma mais perfeita e uniformidade eclesiástica, que o povo escocês deu a eficaz corroboração de sua simpatia ao Parlamento Inglês em sua luta contra Carlos I, e para que a Igreja escocesa enviasse seus mais eminentes filhos como delegados à Assembleia em Westminster.

A Reforma na Inglaterra apresenta duas fases distintas – a de uma genuína obra da graça e a de uma revolução política e eclesiástica. No primeiro caráter, ela foi introduzida pela publicação da Palavra de Deus – o Novo Testamento Grego de Erasmo, publicado em Oxford, em 1517; e a tradução inglesa da Bíblia por Tyndale, a qual foi enviada de Worms para a Inglaterra em 1526. Pelo uso da Bíblia inglesa, juntamente com os trabalhos de muitos homens verdadeiramente piedosos, tanto entre o clero quanto entre os leigos, uma revolução totalmente popular se operou na religião da nação, e seu coração tornou-se permanentemente protestante. Os reais reformadores da Inglaterra, tais como Crammer, Ridley, Hooper, Latimer e Jewell, eram genuinamente evangélicos e totalmente calvinistas, em plena sintonia e constante correspondência com os grandes teólogos e pregadores da Suíça e Alemanha. Isso é ilustrado em seus escritos – nos Quarentas e Dois Artigos de Eduardo VI, 1551; os presentes artigos doutrinais da Igreja da Inglaterra, apresentados em 1562; e ainda nos Artigos de Lambeth, elaborados pelo Arcebispo Whitgift, cerca de 1595.

Ainda que essa obra de genuína reforma fosse em primeira instância materialmente acrescida pela revolução político-eclesiástica introduzida por Henrique VIII, e confirmada por sua filha Rainha Elizabete, foi, não obstante, grandemente impedida e prematuramente controlada por ela. O “Ato de Supremacia”, o qual fez do soberano a cabeça terrena da Igreja, e sujeitou todas as questões doutrinais, a ordem da Igreja e a disciplina, ao seu controle absoluto, possibilitou Elizabete de manipular as mudanças constitucionais na Igreja estabelecidas pelo processo de reforma naquele preciso ponto que foi determinado por seus pendores mundanos e sua ambição de poder. Uma hierarquia aristocrática, naturalmente mancomunada com a Corte, tornou-se um instrumento fácil da Coroa na repressão tanto da liberdade religiosa quanto da liberdade civil do povo. Gradualmente a luta entre o partido chamado Puritano e o partido repressivo da Corte tornou-se mais intensa e mais amarga durante todo o período dos reinados de Tiago I e Carlos I. Um novo elemento de conflito foi introduzido no fato de que o despótico partido da Corte naturalmente abandonou o calvinismo dos fundadores da Igreja e adotou aquele arminianismo que tem sempre prevalecido entre os parasitas do poder arbitrário e os devotos de uma religião igrejeira e sacramentalista.
A negação de toda reforma e a inexorável execução do “Ato de Uniformidade”, reprimindo todo dissentimento, enquanto que roubava ao povo todo traço de liberdade religiosa, necessariamente chegou a uma extensão tal da prerrogativa real, e a uma constante afluência de medidas arbitrárias e atos de violência, que a liberdade civil do indivíduo foi igualmente tripudiada. Por fim, depois de um intervalo de onze anos de tentativas de governar a nação através do Star Chamber e da Corte da Alta Comissão, e de ter prorrogado o refratário Parlamento que se reuniu na primavera daquele ano, o Rei foi forçado a apelar novamente ao país, que fez subir, em novembro de 1640, aquela eminente associação subsequentemente conhecida como o Grande Parlamento. Em maio do ano seguinte, essa associação tornou-se praticamente independente dos caprichos do Rei, sancionou um Decreto providenciando que ele só fosse dissolvido com seu próprio consentimento; e ao mesmo tempo todos os membros de ambas as Causas, com exceção de dois dos Peers, assinaram um acordo obrigando-os a perseverar na defesa de sua liberdade e da religião protestante. No mesmo ano, o Parlamento aboliu a Corte da Alta Comissão e a Star Chamber; e em novembro de 1642 foi ordenado que depois de 5 de novembro de 1643 o ofício de arcebispo e de bispo, bem como toda a estrutura do governo do prelado fossem abolidos.

Em 12 de junho de 1643, o Parlamento sancionou um Decreto intitulado “Convocação dos Lords e Comuns do Parlamento para a Convocação de uma Assembleia de Teólogos e outros com vistas a serem consultados pelo Parlamento para o estabelecimento do Governo e Liturgia da Igreja da Inglaterra e purificação da Doutrina da dita Igreja das falsas aspersões e interpretações”. Visto que o governo preexistente da Igreja por meio de bispos havia cessado de existir, e no entanto a Igreja de Cristo na Inglaterra permanecia, a única autoridade universalmente reconhecida que pudesse reunir os representantes da Igreja em Assembleia Geral era a Legislatura Nacional. As pessoas destinadas a constituir essa Assembleia eram citadas na convocação, e compreendiam a flor da Igreja daquela época; subsequentemente, cerca de vinte e um clérigos foram adicionados para substituírem a ausência de outros. A lista original incluía os nomes de dez Lords e vinte membros da Câmara dos Comuns como membros leigos, e cento e vinte e um teólogos. Homens de todos os matizes de opinião quanto ao governo da Igreja foram incluídos nessa preclara companhia – episcopais, presbiterianos, independentes e erastianos. “Na convocação original, quatro bispos foram chamados, um dos quais realmente atendeu no primeiro dia e outro justificou sua ausência sob a alegação de cumprimento de um dever; dos outros convocados, cinco tornaram-se bispos mais tarde, e cerca de vinte e cinco declinaram atendimento, em parte porque ela não era uma convocação regular efetuada pelo Rei, e em parte porque a Liga e o Pacto Solenes eram expressamente condenados por sua majestade.” A Assembleia Geral Escocesa também enviou como delegados, a Westminster, os melhores e mais preclaros homens que possuía — ministros: Alexander Henderson, o autor do Pacto, George Gillespie, Samuel Rutherford e Robert Baillie; e presbíteros: Lord John Maitland e Sir Archibald Johnston.
Apenas sessenta compareceram no primeiro dia, e a média de comparecimento durante as prolongadas sessões da Assembleia variava entre sessenta e oitenta. Desses, a vasta maioria era presbiteriana, depois que os episcopais se negaram subsequentemente de assinar a Liga e o Pacto Solene. A vasta maioria dos clérigos puritanos, segundo o exemplo de todas as igrejas reformadas do Continente, se inclinava para o presbiterianismo; e em muitos lugares, especialmente na cidade de Londres e sua circunvizinhança, instalaram-se presbitérios.

Apenas cinco independentes proeminentes se fizeram presentes na Assembleia, encabeçados pelo Dr. Thomas Goodwin e pelo Rev. Philip Nye. Esses foram chamados, à luz da atitude de oposição à maioria que os preocupava, “Os Cinco Irmãos Dissidentes”. A despeito da minoria de seu número, possuíam considerável influência em estorvar e finalmente frustrar a Assembleia em sua obra de construção eclesiástica nacional; e sua influência era devida ao apoio que recebiam dos políticos fora da Assembleia, no Grande Parlamento, no exército e, acima de tudo, do grande Cromwell pessoalmente.

Os erastianos, que sustentavam a tese de que os pastores cristãos são simplesmente mestres, e não governantes na Igreja, e que todo poder, tanto eclesiástico quanto civil, repousa exclusivamente no magistrado civil, eram representados na Assembleia por apenas dois ministros – Thomas Coleman e John Lightfoot, assistidos ativamente pelo erudito leigo, John Selden. Sua influência era devida ao fato de que o Parlamento lhes era simpático – e, naturalmente, todos os políticos mundanos.
O presidente, ou moderador, designado pelo Parlamento, foi o Dr. Twisse; e depois de sua morte foi sucedido pelo Mr. Herle. Em primeiro de julho de 1643 a Assembleia, após ouvir um sermão proferido pelo presidente, na Abadia de Westminster, foi organizada na Sétima Capela de Henrique. Depois que o frio aumentou, passaram a reunir-se na “Jerusalém Chamber”, “um agradável aposento na Abadia de Westminster”. Ao ser toda a Assembleia dividida em três comissões iguais, para o bom andamento dos assuntos, passaram a fazer o que estava na primeira pauta a eles determinado pelo Parlamento, ou seja, a revisão dos Trinta e Nove Artigos, o Credo já existente da Igreja da Inglaterra. Mas em 12 de outubro, logo depois de assinar a Liga e Pacto Solenes, o Parlamento ordenou à Assembleia “que considerasse entre eles aquela disciplina e governo que fossem mais condizentes com a santa Palavra de Deus”. Consequentemente, passaram imediatamente à preparação de um Diretório de Governo, Culto e Disciplina. Sendo prejudicados por constantes controvérsias com as facções independentes e erastianas, não completaram essa parte de seu trabalho até próximo ao final de 1644. Então começaram a preparar a composição de uma Confissão de Fé, sendo designada uma comissão para preparar e organizar as principais proposições que a comporiam. Essa comissão consistiu das seguintes pessoas: Dr. Hoyle, Dr. Gouge e Srs. Herle, Gataker, Tuckney, Reynolds e Vines.

A comissão finalmente se pôs a trabalhar na preparação da Confissão e dos Catecismos, simultaneamente. “Após algum progresso feito na elaboração de ambos, a Assembleia resolveu concluir primeiramente a Confissão, para então construir os Catecismos segundo o modelo daquela.” Apresentaram ao Parlamento, numa forma concluída, a Confissão, em 3 de dezembro de 1646, quando a mesma foi reencaminhada para que a “Assembleia pudesse inserir as notas marginais, a fim de que cada parte dela fosse provada pela Escritura”. Finalmente notificaram que estava concluída, com provas bíblicas satisfatórias de cada proposição individualmente, em 29 de abril de 1647.

O Breve Catecismo foi concluído e entregue ao Parlamento em 5 de novembro de 1647; e o Catecismo Maior, em 14 de abril de 1648. Em 22 de março de 1648 foi feita uma conferência entre as duas Casas com o fim de confrontar suas opiniões acerca da Confissão de Fé, cujo resultado é assim declarado por Rushworth: —

“Neste dia (22 de março), os Comuns, em conferência, apresentaram aos Lords uma Confissão de Fé conferida por eles, com algumas alterações (especialmente no que tange a questões de disciplina), a saber: Que se acha concorde com seus lords, e portanto com a Assembleia, na parte doutrinal, e desejam que a mesma seja publicada para que este reino, bem como todas as igrejas reformadas da Cristandade, não vejam o Parlamento da Inglaterra diferir em doutrina.”

A Confissão de Fé, o Diretório do Culto Público e os Catecismos, Maior e Breve, foram todos ratificados pela Assembleia Geral Escocesa, assim que as várias partes da obra foram concluídas em Westminster.

Em 13 de outubro de 1647, o Grande Parlamento estabeleceu a Igreja Presbiteriana na Inglaterra em fase experimental, “até ao final da sessão seguinte do Parlamento, a qual deveria ser um ano depois dessa data”. Mas antes dessa data o Parlamento tornou-se subserviente ao poder do exército sob Cromwell. Os presbitérios e sínodos foram logo substituídos por seu “Committee of Triers”, quando os ministros presbiterianos foram destituídos em massa por Carlos II, em 1662.

Depois de concluídos os Catecismos, muitos dos membros se dispersaram totalmente e voltaram para seus lares. “Os que permaneceram em Londres ficaram principalmente envolvidos no exame de ministros quando se apresentavam para ordenação ou indução a cargos vacantes. Continuaram a manter sua existência formal até 22 de fevereiro de 1649, cerca de três semanas depois que o Rei foi decapitado, tendo se reunido cinco anos, seis meses e vinte e dois dias, tempo este em que mantiveram mil cento e sessenta e três sessões. Transformaram-se, pois, numa comissão para conduzir as provas e exames de ministros, e continuaram a reunir-se com esse propósito toda quinta-feira de manhã, até 25 de março de 1652, quando Oliver Cromwell, tendo à força dissolvido o Grande Parlamento, por cuja autoridade a Assembleia fora convocada, aquela comissão foi também interrompida e desmembrada sem qualquer dissolução formal e como uma questão de necessidade.”

A Confissão de Fé e os Catecismos, Maior e Breve, da Assembleia Westminster foram adotados pelo Sínodo original na América do Norte, em 1729 A.D., como a “Confissão de Fé desta Igreja”; e tem sido recebida como o padrão de fé por todos os ramos da Igreja Presbiteriana na Escócia, Inglaterra, Irlanda e América; e é altamente reverenciada e seus Catecismos usados como meios de instrução pública por todas as entidades congregacionais de rebanhos puritanos no mundo inteiro.

Embora a Assembleia Westminster resolutamente excluísse de sua Confissão tudo quanto reconhecia ser erro de sabor erastiano, contudo suas opiniões quanto ao estabelecimento de igrejas levaram a conceitos acerca dos poderes dos magistrados civis, no tocante às coisas religiosas (circa sacra), os quais sempre foram rejeitados na América. Daí, no “Ato de Adoção” original, o Sínodo declarou que não receberia as passagens relativas a esse ponto na Confissão “em qualquer sentido em que se supõe que o magistrado civil tenha algum poder controlador sobre os sínodos com respeito ao exercício de sua autoridade ministerial; ou poder de perseguir alguém em razão de sua religião, ou em qualquer sentido contrário à sucessão protestante ao trono da Grã Bretanha”.

E também, quando o Sínodo revisou e emendou seus padrões, em 1787, em preparação para a organização da Assembleia Geral, em 1789, ela “levou em consideração o último parágrafo do capítulo 20 da Confissão de Fé Westminster; o terceiro parágrafo do capítulo 23; e o segundo parágrafo do capítulo 31; e havendo algumas alterações, concorda que os ditos parágrafos como ora alterados sejam impressos para consideração”. Como assim alterada e emendada, esta Confissão e estes Catecismos foram adotados como parte doutrinal da Constituição da Igreja Presbiteriana da América, em 1788, e assim permanecem até ao presente dia.
Os artigos originais da Confissão Westminster, quanto ao magistrado civil, com as alterações na Confissão da Igreja americana, são como seguem: —

CONFISSÃO WESTMINSTER
Cap. xx. § 4, diz-se de certos ofensores: “Que sejam processados pelas censuras da Igreja e pelo poder do magistrado civil.”

Cap. xxiii. § 3: “O magistrado civil não pode assumir, por si mesmo, a administração da Palavra e dos sacramentos, tampouco o poder das chaves do reino do céu; não obstante tem autoridade, e é seu dever, de ordenar, para que a unidade e a paz sejam preservadas na Igreja, para que a verdade de Deus seja conservada pura e íntegra, para que todos os blasfemos e hereges sejam suprimidos, todas as corrupções e abusos no culto e disciplina sejam refreados e reformados e todas as ordenanças de Deus devidamente estabelecidas, administradas e observadas. E para efetuá-lo mais eficazmente, ele tem poder de convocar sínodos, estar presente neles e de providenciar para que tudo seja efetuado neles de acordo com a mente de Deus.”

Cap. xxxi. § 1: “Para o melhor governo e maior edificação da Igreja, deve haver assembleias tais como as que são comumente chamadas Sínodos ou Concílios.” – § 2: “Os magistrados podem licitamente convocar um sínodo de ministros e de outras pessoas aptas, para consultar e aconselhar acerca de matérias de religião; portanto, se os magistrados forem inimigos públicos da Igreja, os ministros de Cristo, de si mesmos, por virtude de seu ofício, ou eles com outras pessoas aptas em delegação de suas igrejas, podem reunir-se em tais assembleias.”

CONFISSÃO AMERICANA


Cap. xx. § 4: “Podem legalmente ser convocados a prestar contas e processados pelas censuras da Igreja.”
Cap. xxiii. § 3: “O magistrado civil não pode assumir, por si mesmo, a administração da Palavra e dos sacramentos, nem o poder das chaves do reino do céu, nem de forma alguma interferir em questões de fé. Contudo, como pais protetores, é o dever dos magistrados civis proteger a Igreja de nosso comum Senhor, sem dar preferência a alguma denominação cristã acima de outras; de tal maneira que todas as pessoas sejam plenamente livres e desfrutem de inquestionável liberdade de, em toda parte, exercer suas funções sacras, sem violência ou risco. E, como Jesus Cristo designou um governo e disciplina em sua Igreja, nenhuma lei de qualquer comunidade deve interferir nela, impedir ou obstruir o devido exercício entre os membros voluntários de qualquer denominação de cristãos, segundo sua própria profissão e crença. É o dever dos magistrados civis protegerem a pessoa e o bom nome de todo o seu povo, de uma maneira tão eficaz que nenhuma pessoa sofra, quer por pretensão de religião, quer por infidelidade, alguma indignidade, violência, abuso, ou injúria de alguma outra pessoa; e ordenar que todas as assembleias religiosas e eclesiásticas sejam protegidas sem molestação ou distúrbio.”

Cap. xxxi. § 1: “Para o melhor governo e maior edificação da Igreja, deve haver assembleias tais como são comumente chamadas Sínodos ou Concílios; e pertence aos supervisores e outros líderes das igrejas particulares, por virtude de seu ofício e o poder que Cristo lhes delegou para a edificação, e não para destruição, instalar tais assembleias e para reunirem-se nelas quando julgarem conveniente, visando ao bem da Igreja.”

QUESTIONÁRIO

1. Como se compunha a maioria das Confissões das igrejas luteranas e reformadas?

2. O que é peculiar no caso dos Cânones do Sínodo de Dort e da Confissão e Catecismos Westminster?

3. Apresente o caráter geral da Reforma na Escócia.

4. Qual foi o caráter e propósito da Liga e Pacto Solenes, e por quais partes foi ela acordada?

5. Qual foi o caráter geral da Reforma na Inglaterra?

6. Qual foi a principal instrumentalidade pela qual a obra foi efetuada?

7. Qual foi o caráter da teologia, e qual a direção das afinidades dos reformadores ingleses primitivos?

8. Qual foi o caráter da influência exercida na Reforma inglesa por seus primeiros soberanos protestantes?

9. Que provaram ser os efeitos civis da tentativa por parte da Coroa de reprimir a liberdade religiosa?

10. Apresente alguns dos primeiros Decretos do Grande Parlamento.

11. Quando e com que propósito foi a Assembleia dos teólogos convocada em Westminster?

12. Qual foi o número e qual era o caráter das pessoas que compuseram aquela Assembleia?

13. Quais foram os representantes da Igreja da Escócia?

14. Em que três partes principais foram os membros dessa Assembleia divididos? E a que parte pertencia a vasta maioria da Assembleia?

15. Como foi a Assembleia organizada?

16. Qual foi o primeiro trabalho realizado pela Assembleia?

17. Quando e como procederam a arquitetar a Confissão de Fé?

18. Quando e como procederam a arquitetar os Catecismos?

19. Qual foi a ação do Grande Parlamento no tocante à obra da Assembleia?

20. E qual a ação da Assembleia Geral Escocesa quanto à mesma?

21. Qual foi o destino final do Estabelecimento Presbiteriano na Inglaterra?

22. De quais igrejas é a Confissão Westminster o padrão constitucional de doutrina?

23. Quando e com que exceções foi essa Confissão adotada pela Igreja Presbiteriana na América?

24. Quando, por que e em que seções foi ela emendada?

Sobre o Autor
A. A. Hodge
Archibald Alexander Hodge (1823-1886), filho de Charles Hodge, foi um importante pastor e teólogo presbiteriano americano. Ele foi diretor do Seminário de Princeton entre 1878 e 1886.

Fonte: A. A. Hodge, Confissão de Fé de Westminster Comentada, (Editora Os Puritanos), p. 37-48.
Fonte: monergismo

Josias Sillva
Javé Nissi.