O corpo não é feito de um só membro, mas de
muitos. Se o pé disser: “Porque não sou mão, não pertenço ao corpo”, nem por
isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: “Porque não sou olho,
não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o
corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde
estaria o olfato? De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a
sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos
membros, mas um só corpo. (1 Coríntios 12.14-20)
O plano de Deus é que deveria existir uma
dependência mútua entre os crentes; contudo a Bíblia ensina isso primariamente
em relação ao ministério público, e não à fé do indivíduo. Diz-se
frequentemente, de uma forma ou de outra, que um cristão que está desvinculado
de uma comunidade está fadado ao fracasso, mas esse ensino é mais
autobiográfico do que bíblico, e é manipulador ao invés de encorajador. Ele é
difundido por pessoas fracas ou por líderes que preferem ameaçar pessoas em vez
de aprimorar seus próprios ministérios. Ao enfatizarem fé e adoração coletivas,
ainda que sua intenção seja supostamente de fortalecer a igreja e seus membros,
na verdade seu erro tem sido um fator importante para se perpetuar nos crentes
a falta de vigor e compromisso.
O problema é que a sua doutrina equivale a uma
negação da plenitude e suficiência de Cristo. Jesus Cristo é suficiente para
sustentar e nutrir cada crente em particular totalmente à parte de qualquer
outro crente. Há somente um Pai e um mediador entre Deus e o homem, Jesus
Cristo. A igreja não é nossa mãe e nosso sacerdote. Antes, cada cristão é um
sacerdote divinamente ordenado para a sua posição com plenos direitos de
aproximar-se do trono dos céus e receber e administrar tudo o que Deus tem a
oferecer por meio de Jesus Cristo. O cristão pode receber tudo de Cristo por
meio da fé e pelo contato direto com Deus, sem a assistência da igreja e muito
menos a sua permissão. Qualquer doutrina diferente disso é um ataque à
suficiência e mediação de Cristo e deve ser considerada heresia.
O foco aqui é o princípio, e não que uma fé
isolada é sempre preferível ou que a pessoa deveria deliberadamente buscar esse
tipo de fé. E quando a preocupação tem a ver com o princípio, devemos insistir
que a doutrina popular que faz da comunidade uma questão de necessidade é uma
doutrina que não vem da revelação de Deus, mas da incredulidade e de suposições
pessimistas sobre o potencial de um indivíduo perante Cristo. Quando se assume
que comunidade é algo necessário para o florescimento ou mesmo para a
sobrevivência da fé do indivíduo, encorajar a fé coletiva se torna a mesma
coisa que encorajar a fraqueza pessoal. Isso é também um desserviço à
comunidade, porque em vez de se reunir por amor, um bando de covardes se reúne
agora por necessidade de se deixar arrastar pelos outros.
Jeremias era extremamente solitário, e Paulo teve
às vezes de encarar as maiores provações sozinho, mas Jesus Cristo estava com
eles e era suficiente para eles. Você diz: “Mas eu não sou Jeremias ou Paulo”.
Certo, e enquanto continuar pensando dessa forma você nunca será qualquer coisa
parecida com eles. Você não é Jeremias ou Paulo, mas confia no mesmo Jesus
Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre, e assim não existe nenhuma
diferença. Logo, jamais devemos sacrificar a suficiência de Cristo para
preservar a importância da comunhão na igreja. E se você não pode passar o dia
sem depender de outro homem para sustentá-lo, ao menos não infecte os outros
com a sua incredulidade e fraqueza. Assim também, pregadores que negam a
suficiência de Cristo para o indivíduo a fim de preservar a importância da
comunidade deveriam ser repelidos. A igreja é de fato plano de Deus, mas não
para o propósito de sobrevivência espiritual do indivíduo. Jesus Cristo é
suficiente ― mais que suficiente ― para cada pessoa à parte da comunidade. Isso
é inegociável.
Quando se trata do contexto público, como em uma
reunião de igreja ou tarefas cotidianas da comunidade, o plano de Deus é de
fato a dependência mútua, e nenhuma pessoa pode representar todo o corpo ou
realizar todas as suas funções. Antes, cada pessoa é posta em seu próprio lugar
de acordo com a vontade de Deus. Como escreve Paulo, “De fato, Deus dispôs cada
um dos membros no corpo, segundo a sua vontade”. Não se espera que façamos todos
as mesmas coisas ou foquemos igualmente as mesmas coisas. Eventualmente um
evangelista poderia enfatizar tanto a primazia do evangelismo que leva todas as
outras pessoas se sentirem culpadas por não fazerem tanto quanto ele. Mas ele
não está alimentando nenhum órfão. Então aquele que não faz nada mais que
alimentar órfãos aparece e faz o evangelista parecer um hipócrita de coração
frio. Deus nos colocou em nossas próprias posições, e não devemos definir o
corpo como um todo por nenhuma função pela qual estamos obcecados: “Se todos
fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só
corpo”.
É aqui que a distinção entre a fé do indivíduo e
o ministério público se torna essencial. Como indivíduo, posso realizar em uma
pequena escala quase qualquer função no corpo de Cristo, ainda que esse não
seja o meu ministério principal. Isto é, posso não ter sido chamado a liderar
um projeto nacional para alimentar os famintos, mas eu seria negligente se um
pedinte morresse de fome na soleira de minha porta. No entanto, só porque devo
alimentar o pedinte na soleira de minha porta, isso não significa que eu
deveria liderar um esforço nacional de combate à fome. Em vez disso, talvez
Deus tenha me chamado para combater essa confusão ridícula sobre fé pessoal e
fé coletiva. Em outras palavras, cada pessoa deveria ser uma crente completa,
mas nenhuma pessoa precisa ser uma igreja inteira.
Você pode não pensar em seu dedo mindinho a todo
o momento, mas se alguma vez você já o torceu, subitamente percebeu que depende
dele o tempo todo. Agora ele dói quando você se levanta, quando se vira, quando
caminha. O que acontece se um papel fino corta o seu dedo? Ele dói quando você
faz quase qualquer coisa ― dói quando você escreve, quando você dirige, quando
você cozinha, quando você lança uma bola ― de modo que “quando um membro sofre,
todos os outros sofrem com ele” (v. 26). Da mesma forma, a pessoa que lida com
processos burocráticos na igreja, ou talvez faz a contabilidade, recebe pouca
atenção; mas imagine o caos se ela for subitamente removida, ou se ela é
incompetente ou desonesta.
Para enfatizar uma vez mais o ponto anterior, se
você prega na igreja e alguém outro limpa o chão, isso não significa que essa
pessoa também limpa o seu chão quando você vai para casa. E se você limpa o seu
próprio chão em casa, isso não significa que você deve limpá-lo na igreja, a
menos que esse seja o seu emprego. Novamente, Cristo é suficiente para todo
crente, para que todo crente pudesse ser completo, mas cada crente não desempenha
todas as funções na igreja, de forma que há uma dependência mútua na igreja.
Uma teologia da igreja que em qualquer grau compromete a suficiência total de
Cristo ou o potencial e a responsabilidade do indivíduo é uma doutrina falsa.
Ora, uma pessoa pode crescer em proficiência, e
um dom pode crescer em poder através da oração, do estudo e do uso regular, mas
a capacidade parecerá nativa para ela, e não artificial ou forçada. Uma pessoa
que não pode desempenhar, digamos, deveres administrativos pode muito bem
receber a capacidade após a conversão, mas isso se tornará natural para ela
dali em diante. Um olho é um olho porque Deus o fez um olho. Assim também, para
um olho ser um olho, basta apenas ele ser ele mesmo. Ele não tem de ser algo
que ele não é nem deveria ser invejoso ou fingir ser outro membro no corpo. É
assim que ele funcionará de acordo com o seu verdadeiro propósito e potencial.
Fonte: http://www.vincentcheung.com/
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto (janeiro/2011).
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